segunda-feira, 17 de setembro de 2012

ALMA NEGRA

Sou negro sim!
Sou brasileiro,
Sou o tempero
Deste terreiro.
No sangue das minhas veias
Corre a dor de um povo sofrido
Correm lágrimas de almas feridas
Correm lamentos de um passado esquecido

Fingido
Eternecido
Adormecido
Pouco reconhecido
Passado de gemidos

Que Castro Alves lembrou
Em Navios Negreiros
Lástimas, peste, solidão.
Saudades de minha terra,
Dos meus irmãos,
Triste solidão

Sonho iludido, vendido
Consciência insana,
Muita gente ainda diz:
Que bacana!

Passado de gemidos
Em campos, lavouras, canaviais
Lindas paisagens, dos senhores
Feudais, escravocratas, maiorais

A pele de meus pais
Ficaram na ponta do chicote do ioiô
No cabo da enxada, os duros calos de suas mãos foram deixados.
Minha mãe virou Mucama
Ama de leite para o os filhos de ioiô
saciar a fome
A força de meus irmãos a foice a tomou para si
Minha irmã dava mamar
Quando o peito secou
a negra, pobre negra,
secou seu olhar

Continuo sendo bem brasileiro
Tempero quente deste terreiro
De grandes lábios, pele azulada
Alma gentil da Pátria amada

Discriminação à flor da pele
Nas agências bancárias
Nos telejornais, na televisão
Na educação, alienação?

Qual é a relação entre ser inteligente e ter cor de pele negra?
Preconceito! SegregaçãoPreconceito! Segregação
Diz certo cidadão: Em minha escola,
Negro! Não.

Cor de pele sem expressão
A voz de Mariazinha
nos fundos da sala de aula
Pedindo um lápis emprestado:
Cor de pele.
Pergunto-lhe:
Cor de quê?
Responde ela na simplicidade
Do sentido, produzido, fabricado
Cor de pele, professor!
Pele de gente!
A pobre alma da Mariazinha
Queria um lápis de cor quase rosa
Ou quem sabe, quase branca

Aprendeu assim, está crescendo assim
Desse jeito, quase perfeito
Não fosse a ignorância
Na pobre alma daquela criança

Uma insolente tristeza
Invade meu ser àquela hora
Pele de gente? Maria Clara!

Assim como Mariazinha
Existem muitos Joõezinhos,
Pedrinhos, Fernandinhos,
Aninha Clarinha

Reproduzindo o ignóbil
O senso comum
A ignorância
Herdada de cultura e educação
Voláteis, paupérrimas
Discriminatórias, intrigantes
Frágeis, cegas, tristes, pueris
Pecaminosas, imbecis,
Constrangedoras,
E todos quantos adjetivos mais
Forem necessários
Para acordar o Brasil
Do pesado sono da ignorância
E mostrar a riqueza
Do brasileiro
Mistura linda deste terreiro.

Professor Valdecir dos Santos

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